terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mal estar e vômito pós-parto, anos pós-parto

Ela ganhou ares de mãe. Vestiu trajes de mulher forte e bonita e batalhadora. Mas a armadura estava vazia. Não havia nenhum cavaleiro dentro. No todo, era uma superfície áspera de tanto caminhar de ferida em ferida e sem nenhuma mitose que a regenerasse. Envelhecia. Não o corpo. O corpo tinha até rejuvenescido. O corpo sabia de sua beleza e por isso imergia em vaidade. Os poucos que a admiravam, se é que admiravam, admiravam sua superfície de mulher forte e bonita e batalhadora. Mas mesmo que ela fosse esses nomes bonitos isso só seria vício da moral grega ou medieval que está em nossas entranhas, em nosso genótipo em nossa cultura mórbida e antinatural. Na verdade, sua virtude era a vaidade. Não digo, porém, que era infeliz. Não. Esse é outro erro cultural. Ninguém é feliz e nem o contrário. São estados de humor. Entretanto raramente via um sorriso ou uma expressão de contentamento. Ela então ganhou a obstinação de mãe. A prisão de um amor obrigado. Afetada. Alfinetada. Todas as ilusões morriam de câncer lentamente. Estava doente. Um corpo com toda a fisiologia funcionando como uma máquina nova e não obstante um corpo enfermo.  Um casamento, um filho, uma casa, um trabalho, alguns vizinhos e contas. Eis uma vida que não se escolhe. Eis uma vida que a civilização escolheu. Quando ela nasceu, ela e eu e você, todas as significações nos foram injetadas. Com o tempo a noção de amor, de dever, de culpa, de intenção nos tornou mórbidos. E ela se tornou essa mulher com ares de mãe cumprindo sua missão que é nunca mais beber a liberdade, comê-la, fumá-la. Nunca mais trepar com a liberdade. Mas espere... Num belo dia... Num belo dia... Nada. Nada. Ela continua lá. Vestindo sua armadura vazia. E a melhor desculpa é crer em destino.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sobre nossos atos contraditórios

A certa altura de minha vida, ainda na adolescência, atingí uma consciência moral notável. Em contrapartida, me tornei um tapado. Eu pensava: por que as autoridades não proíbem o cigarro e a bebída? Seria melhor para todos, principalmente na questão da saúde. E mais: por que as pessoas brigam, falam palavrão, fazem escândalo? Todos deviam conversar e chegar a um acordo. Mas o tempo se encarregou de me explicar os porques. Segundo meu próprio pensamento, existem duas forças em nós: uma libertária e uma conservadora. A primeira diz respeito ao animal em nós. Ela se manifesta segundo nossas emoções. Então quando as pessoas se drogam elas simplesmente estão buscando uma libertação em oposição a repressão da cultura e isso é necessário para seu equilíbrio. Quem fuma, por exemplo, a príncipio faz em razão de uma autônomia e é sempre na juventude que você quer se afirmar. Depois aquelas 4.700 substâncias tóxicas passam a ser necessárias a homeostasia da pessoa. Já a força conservadora  atua em razão da razão. A cultura civilizou-nos e manter, ao menos aparentemente, o controle de nossas vidas tornou-se um desejo forte. A batalha entre estas duas forças faz de nós seres paradóxos. Pensamos A e fazemos B. Quebramos promessas. Perdemos as estribeiras. E voltamos a nossa entediante e necessária rotina. As mudanças parecem ser o lobo-mau. Quem tem medo do lobo-mau? Todos. É uma defesa da força conservadora. Não obstante, sonhamos com romance e aventura. Como nos aventurarmos sem mudar nada em nossa vida? Esse é o grande dilema humano. Desejamos profundamente algo do qual temos profundamente medo de realizar. isso sem falar em outro conflito: o meu desejo contra o desejo do ambiente. Agora por exemplo o meu desejo era estar em um bela praia contemplando a beleza da imensidão do mar. No entanto, o ambiente me força a trabalhar. Ao meu ver, a grande sacada é estar atento para os momentos em que essas forças e conflitos venham a convergir para então atingirmos um grau melhor de satisfação.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Da semântica à política passando por bichinhos e outras coisas.

Existem certas palavras que expressam significados totalmente diferentes de sua estrutura. Não falo em etimologia precisamente, mas em uma obviedade. Por exemplo, o verbo ratificar é o mesmo que afirmar. Porém, a disposição da palavra faz com que o melhor siginificado fosse "tornar rato". Assim: "a bruxa malvada ratificou as crianças". Bem mais claro não? Outra palavra é patologia que é sinônimo de doença. Todavia deveria denotar "especialidade em patos" ou "estudo dos patos". Assim: "o patólogo descobriu que o pato é um animal poligâmico poi dispõe de quatro patas". Há ainda as palvras homo sapiens que designam homem que pensa e homo sapiens sapiens que denota homem que pensa e que sabe que pensa. Não obstante, essas palavras deveriam significar respectivamente: "sapo gay" e "sapo gay que sabe que é gay". Desta maneira: "o homo sapiens saiu para namorar outro homo sapiens". Apesar de que homo que significa igual deveria designar sabão em pó. Assim: "O sapo gay ensaboado que sabe que é gay e que está ensaboado saiu com outro do mesmo fenótipo". Infelizmente isso ofenderia nossa cultura de cantar que o sapo não lava o pé, pois ele tanto lavaria o pé como seria naturalmente ensaboado. Outro problema nesse caso é que essa espécie de sapo não existe e essas palavras cairiam em desuso. E se por alguma força metafísica ou ironia divina viesse a existir tal aberração, ela não duraria muito posto que não se procriariam. Tristes leis da natureza. Mais uma palavra que me ocorre é cidadão que designa imponentemente: indíviduo em pleno gozo de direitos civis e políticos em um estado livre. Sem entrar no mérito da utopia da palavra, só com sua constituição podemos afirmar que ela na verdade deveria expressar "cidade muito grande". Desta forma: "São Paulo é um cidadão". Inúmeros são os casos de equívocos semânticos. Porém não se pode fazer nada devido ao constante uso dessas palavras e em alguns casos por serem palvras de um idioma morto. Entretanto, resta aos amantes da linguagem clara sonhar com o dia em que as palvras não permitirão más interpretações e consequetemente a humanidade estará livre da retórica daqueles que tem como instrumento de manipulação a palavra.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Estigma

Um moço de traços rudes olhou pra mim com seriedade. Sua fisionomia grave dava-lhe, em contraponto a seus trajes, um ar de trabalhador. Porém o rapaz não era laborativo. Desistira da alfabetização por não acompanhar o ritmo da escola. E agora, com quase trinta anos e um dos mais velhos entre as sete proles, ainda morava com os pais. A sociedade não o tragava. Então ele tragava um cigarrinho. Me aproximei. Era meu dever pois estava entrando na família, posto que iniciara um namoro com sua irmã. Comecei, sem jeito, uma prosa sem assunto. Para ele foi como o pulo do golfinho. Sair da segregação, da discriminação, do escárnio. Eu não sabia, mas ele era tachado de louco. Um rótulo trazido desde de a infância que a avó com toda a bondade queria validar tentando aposentá-lo. Durante  a conversa ele me confessou que não era louco e que tinha sonhos, angústias, que tinha desejos sexuais como qualquer outro. Mas não havia prazeres pra um louco dependente dos pais. Não havia esporte, amizades, sexo, amor, nada. Não havia cor, perfume nem rosa em sua fabricada loucura. Ele não gozava. Então tragava um cigarrinho.